Sociedade Insana


Deitada no chão de um quarto escuro... sujo...
Mantenho meus olhos fechados... talvez por medo do que posso encontrar ao meu redor.
O cheiro forte penetra em minhas narinas...
Os gritos dos outros irritam meus ouvidos...
Já nem sei há quanto tempo estou aqui. Alguns dias apenas, mas os medicamentos me deixam atordoada.


Uma prisão! Não aquelas pra onde vão os criminosos. Um outro tipo de prisão. Daquelas pra onde vão os excluídos do mundo. Algumas famílias preferem trancar seus filhos naquelas celas, a assumir para a sociedade seus problemas. Meu caso é diferente. Nasci perfeita, levei uma vida normal - talvez normal demais: este era o grande problema. Num determinado momento cansei!


Só então tenho coragem de abrir os olhos. A pouca luz que entra pela fresta da porta é o suficiente para que eu erga os pulsos e aprecie minhas novas cicatrizes.


Com tantas injustiças, miséria, mentiras, tanta coisa errada... E meus dias sempre iguais. Não tive dúvidas: não queria mais fazer parte deste mundo. O canivete ao alcance das mãos... Mas alguém chegou rápido demais. E pra que eu não causasse mais problemas, resolveram me trazer pra cá. Em algum momento perceberam que era melhor me afastar do "mundo normal". Será que esse mundo lá fora tão cheio de injustiça e hipocrisia, onde a ganância reina soberana é mesmo o melhor lugar pra se viver?
No pouco tempo que estou aqui dentro vi que as pessoas daqui não têm medo de ser elas mesmas. Talvez muitas vivam numa outra realidade, num mundo de fantasias. Porém, lá fora, via tantos dos meus amigos viverem da mesma forma. Como se a roupa da moda ou o carro importado lhes garantisse a vida perfeita. E à noite, sozinhos em seus quartos choravam escondendo suas lágrimas no travesseiro.
Aqui, pelo menos, ninguém sem preocupa em agradar aos outros ou com o que pensarão se resolverem gargalhar, gritar ou chorar sem motivo.
Aqui não importa o que os outros vão dizer. Basta seguir os regulamentos: ter o horário certo de dormir, o horário certo de acordar, tomar os comprimidos, não brigar. Pouco, muito pouco, se considerarmos que aí fora também temos que seguir os horários e as normas. Além de termos que nos acostumar a ter um chefe, a ter o corpo que a moda e a midia nos impõe. Devemos nos acostumar a gravatas que não nos deixam respirar direito ou saltos que nos causam bolhas no fim do dia.
Nos tornamos escravos sem nos dar conta e enchemos a boca para dizer que somos livres.
Só seremos livres de verdade quando pudermos sair à rua sem medo do que pode acontecer. Quando pudermos ter nosso corpo, nosso estilo e personalidade sem nos preocuparmos com o julgamento alheio.
Só seremos livres de verdade quando pudermos batalhar por nossos objetivos sem receio. Quando formos respeitados pelas autoridades e quando os homens souberem respeitar a natureza.
Por enquanto o mundo dos loucos e dos ditos "normais" é praticamente o mesmo, separado apenas por grades e muros.
Talvez até lá, a vida aqui dentro seja mesmo melhor. Aqui encontro verdade, ainda que ilusória. Encontro sinceridade, já que ninguém se esconde atrás de máscaras. Aqui existe vida!
Cada um vive cada segundo sem saber e sem tentar advinhar o que acontecerá no próximo minuto. Vivem apenas este momento, sabendo que o castigo ou a recompensa são apenas consequências de cada um de nossos atos.

Será que alguém já parou pra pensar que aí fora não é diferente?


Comentários

  1. Muito bom Cá...parabéns...talento de sobra..abraços e boa semana!!

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  2. Adorei o texto, ele é bem crítico, acho que a prisão de que você fala no texto é preferível em certos momentos, enquanto somos normais ninguém nos vê e só porque queremos mudar um pouco todo mundo acha que enlouquecemos, para mim somos todos iguais, só não digo "igualdade para todos" porque um cego ou cadeirante precisam de certos cuidados, porém acredito que somos vistos do mesmo modo por todos os olhos, apenas o pensamento julga os outros.

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