Espelhando

                                                 

Tentava enxergar algo pela porta entreaberta... Seus olhinhos outrora tão brilhantes, exibiam agora um misto de terror e euforia.

Tudo começou quando foi acordada por um barulho assustador, saiu correndo de sua cama e entrou no armário - há alguns meses descobrira que o monstro que vivia ali, havia se mudado para o guarda-roupas de sua priminha, dois anos mais nova.

Porém, sabia que algo novo entrara pela janela e estava ali: em algum lugar entre os brinquedos pelo chão.

Quando o clarão se espalhou por todos os móveis, a pequenina enterrou a cabeça entre os joelhos, tapou os ouvidos com as mãos - só Deus sabia o que estava ali tão perto - sentia seu corpo inteiro tremer.

Alguns minutos depois, teve a impressão de que tudo lá fora estava calmo novamente. Foi abrindo os olhos, erguendo a cabeça, respirou fundo e criou coragem para deixar seu esconderijo.

As mãos empurraram a porta e os pezinhos foram pisando cuidadosamente no chão coberto pelo carpete.

E olhando bem, tudo parecia tão diferente.

De quem eram aquelas coisas espalhadas pelo chão?

Quem era aquele homem deitado em sua cama?

Quem era aquela mulher que lhe encarava através do espelho?

Desviando do vestido branco, da camisa lilás... Sapatos, sandálias, bolsa... Chegou até a janela aberta.

Os carros tão pequeninos lá embaixo. Os prédios. O vento que balançava as cortinas.

Quando olhou para a lua - tão linda lá no alto - finalmente entendeu.

Sim, ela se lembrava.

(Desenho: Carla Furlan - 09/01/2011)